quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O Fio do Horizonte


Um Amor Feliz
É uma das mais belas histórias de Amor da literatura contemporânea. O que significa duas coisas: que é uma história de amor verdadeira, vivida entre escritores; e que, sempre que dois escritores vivem uma história de amor, ela transborda para o lado da literatura. Mas entramos aqui numa dimensão mítica: Sartre/Simone, Aragon/Elsa, Catherine Millet/Jacques Henric, Marguerite Duras/Yann Andréa, são múltiplos modelos e as peripécias inesperadas da sua concretização. Contudo, por diversas razões que seria inoportuno evocar; eu, a ter que escolher, escolheria a longa e interminável história de amor entre Dominique Rolin e Philipe Sollers. Toda a gente a conhece na França da cultura, mas foi durante muitos anos um segredo dissimulado em alusões e pseudónimos. Até que a imprensa começou a falar, discretamente, como convém, mas de um modo cada vez mais cúmplice. Os factos são simples: há cerca de 40 anos, um jovem escritor recém-chegado a Paris, Philipe Sollers, com 20 e poucos anos, encontra uma escritora belga, belíssima, Dominique Rolin, que nessa altura tinha perto de 50 anos. Entre os dois estabeleceu-se uma relação passional que dura até hoje. Soube dela quando uma belga com quem trabalhei na Europália me disse um dia: “Ah Sollers, o grande amor da minha amiga Dominique...”  Mas este grande amor foi de uma extrema liberdade. Sollers sempre exibiu uma filosofia libertina e provocatória e sempre se apresentou como casado com a escritora, psicanalista e professora Julia Kristeva.
        No entanto, tanto nos livros de Sollers como nos textos de Rolin, as referências recíprocas são frequentes: Direi mesmo que em Rolin são constantes: seja com o nome de Jim, seja pelas iniciais Ph., Sollers é a presença invasora de todos os textos de Dominique Rolin, em particular um dos mais recentes, “Journal Amourex”, publicado em 2000 na Gallimard.  Hoje ela tem 80 e muitos, ele um pouco mais de 60. Passam longos períodos em Veneza. Encontrei-os uma vez no hotel onde estávamos, a Ruskin’s House. Tinham um quarto no terceiro andar, ela descia cedo e ficava a escrever com a sua Montblanc, no terraço sobre as águas do canal. De tempos a tempos ele aparecia à janela e dizia-lhe adeus. Por volta das onze, vinha ter com ela e iam de braço dado, felizes, livres e felizes, pelas ruas deslumbradas de Veneza.
        A força de Dominique  -  o seu modo de dizer a vida a partir de um dos seus livros  “Moi qui ne suis qu’ Amour”  -  está numa das frases da sua obra mais recente, “Le Futur Immédiat”: “O inimigo quer a minha morte, mas eu não temo. Morrerei de acordo, mas nunca aceitarei estar morta. ‘Nuance’.”.
        São “nuances” como esta que fazem a força das palavras  -  isto é, que nos dão os instrumentos da sobrevivência.
Eduardo Prado Coelho
Fonte: “O Público" - 24 de Janeiro de 2002.

           

Sem comentários:

Enviar um comentário