segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Um Poeta da Liberdade


            Há quem diga que a palavra poética só se anuncia  quando o poeta já tem percorrida a maior parte da sua vida e que a poesia é, na sua mais secreta essência, um novo nascimento; ou pelo menos, uma porta para o conhecimento de outra dimensão da vida. A essa dimensão, nem sempre acessível, podemos dar o nome de sagração. Trata-se, para além disso, dessa real comunhão com os homens do seu tempo, essa comunhão há muito procurada e jamais entrevista, pois todo o homem é, acima de tudo, um ser tão solitário como o lobo de uma pradaria inóspita.

            Quando um poeta atinge o momento dessa sagração,  não está só a penetrar numa nova dimensão: está também a afirmar todo o caminho percorrido até aí. Nenhum criador poderá negar o seu passado, mesmo que este se paute pela mais absoluta vulgaridade, mesmo que esse passado se situe na fronteira entre o medo mais infeliz e a absoluta felicidade, que é aquela em que todos nós nos situamos em maior ou menor escala, conforme o pulsar com que enfrentamos a vida.

            Esta introdução de cariz quase existencial, serve-nos para início de apresentação de uma personalidade literária que considero das mais marcantes que nos foi dado conhecer. Em primeiro lugar, pelo fascínio que paulatinamente, a figura do poeta e do cidadão Ulisses Duarte me provocou; em segundo lugar, porque descobri nele uma dimensão poética invulgar, tão invulgar e surpreendente, que há nele uma grande capacidade para esmagar (no bom e, mesmo, no mau sentido) um razoável número de jovens poetas que jamais virão a ter qualquer hipótese de vir a ocupar um lugar na literatura. E, se Ulisses Duarte não for recuperado pelo seu tempo ou pelo tempo futuro, arriscar-se-á a não figurar nela também, pois a malevolência e a inveja do seu tempo poderão não o permitir.

            É claro que, em questão nenhuma, e muito menos no que respeita à literatura, não podemos fazer previsões apressadas: apenas adivinhamos uma possibilidade. Apesar de Ulisses Duarte ter publicado o seu primeiro livro em 1958  (tinha o poeta 35 anos), só em 1991 com a publicação de O Eco das Palavras, é que o autor renasce para essa nova dimensão poética, após um longo percurso de silêncio, no qual ocupou a sua  vida com a pintura, a publicidade e o grafismo. Desde Terra e Céu, o seu primeiro título, seguiram-se os títulos Da Minha Paisagem (1959) e Poemas de Sol Estrangulado (1960). Apesar da escassa colaboração em publicações dispersas, só renasce verdadeiramente para a poesia no início dos anos noventa. De qualquer forma, é o início, como dissemos, da sua sagração como poeta.

            Falar da poesia de Ulisses Duarte é o mesmo que falar da própria liberdade criativa, liberdade do espírito, liberdade que ascende a uma forma de eternidade. E esta é também uma das formas da nossa condição, sobretudo se houver em nós uma missão determinada, seja ela qual for. O que é certo é que nem somos inteiramente livres, nem somos verdadeiramente eternos: existe em nós a vontade dessa dupla dimensão. Há, porém, uma forma,  que é sempre uma forma subtil, discreta e quase sempre plena de autenticidade, é aquela que compreende o enigma da palavra. É de notar que o uso pleno da palavra poética é já um princípio de liberdade. Diz José Gomes Ferreira que não há machado que corte a raiz ao pensamento! De facto, é no acto íntimo de pensar que reside a nossa mais verdadeira liberdade, pois não existe qualquer chave que permita a outrém aí penetrar, a não ser que lha facultemos e, mesmo assim, há sempre um lugar secreto no nosso pensamento ao qual só nós temos acesso. Desse profundo grau de intimidade, surge a dimensão verbal. Podemos dizer que a experiência poética, seja ela mais ou menos intensa, (e o grau de intensidade não é mensurável) é sempre a consequência de um pensamento: a poesia não é apenas o som verbal, como muitos teóricos da literatura nos fazem crer, mas é, essencialmente, uma forma autêntica de pensamento a qual transporta em si a possibilidade dessa outra dimensão pela qual nos guiamos e que é o próprio sentimento. Porém, não podemos dar a primazia nem só ao pensamento nem só ao sentimento: ambos se completam na sua mais íntima verdade.

            A poesia de Ulisses Duarte situa-se dentro desta perspectiva de liberdade. Ela é feita de memórias, de breves registos, mas o seu conteúdo metafórico ultrapassa o mero memorialismo. E isto porque há nela também uma dimensão ideológica, como é visível no título Poemas do Sol Estrangulado. Porém, como toda a arte maior, no sentido mais geral, ela é apenas comprometida com uma dimensão humana e jamais com uma ideologia específica. Repito: a arte, e muito menos a arte literária, não deve ser panfletária, pois não se dirige, expressamente, a um objecto directo. A época em que Ulisses Duarte se assume como poeta e como poeta surge publicamente, está pejada de fantasmas: seja o início de uma Guerra Colonial; seja a consolidação de um regime com o qual não se identifica; seja a surda e velada perseguição aos seus contemporâneos ou, simplesmente, companheiros de jornada, que também não se identificam com o regime; seja, assim, a situação social do seu país numa época aparentemente serena, cujo barril de pólvora ainda levaria muito tempo para explodir. Mediante todos estes condicionalismos, a palavra poética teria de ser pesada de outra forma: o poeta poderia ser livre como poeta, mas não o era do ponto de vista social e político, pois houve sempre uma tentativa inusitada para conservar as flores de estufa que falavam a favor do regime e para expulsar para sempre as ervas daninhas (passe a metáfora) que falavam de outras coisas menos passíveis de uma leitura clara ou inteligível: basta que se enunciem novos códigos para que as mentes fechadas se desorientem e se tornem baratas tontas. Ora, era isso mesmo que se verificava nos finais dos anos cinquenta e durante os anos posteriores: um regime de baratas tontas mais ou menos polvilhado por uma inteligência marginal, temida e, sempre que possível, silenciada.

            O certo é que Ulisses Duarte pertence a uma geração poética que jamais se identificou com os silêncios do regime (de qualquer regime, a não ser o da liberdade absoluta), pois esse princípio de liberdade não selecciona estilos, nem obedece a nenhuma conduta estética: segue o seu caminho pessoal, múltiplo e diversificado. Referimo-nos a poetas como Eugénio de Andrade, Natália Correia, Mário Cesariny, Alexandre Pinheiro Torres e António Manuel Couto Viana, todos nascidos em 1923. É um conjunto de poetas maiores num mundo menor. No entanto, essa foi também uma das condições que a poesia impôs a si própria: existir pelo revés, na contrariedade, veículo metafísico que acompanha toda a contingência de modo a torná-la, se assim o quisermos, numa espécie de paraíso perdido, sempre reencontrado e jamais reconhecido, pois as políticas e os regimes que as acompanham são cegas perante essa proposta ontológica.O universo que a poesia nos propõe, não é um universo irreal, ao contrário do que muitos poderão pensar: a palavra poética possui a sua verdade intrínseca e é, muitas vezes, tão real quanto o nosso real sofrimento, mais real que as demagogias políticas, mais real do que os nossos próprios sonhos. As grandes propostas poéticas do nosso tempo, poderão ser verdadeiras utopias; mas, enquanto utopias, são reais, enquanto documento literário e humano, são reais. De resto, não nos é possível medir a fronteira entre uma proposta metafísica, imaterial, e a realidade social e política; não podemos misturar um espírito fraco com um espírito forte, pois jamais saberíamos onde acaba o poder de um e a fraqueza do outro. Em que dimensão colocar a viagem camoniana? Na dimensão histórica ou na dimensão mítica? Qual delas a mais verdadeira? sem dúvida que a dimensão mítica é a mais verdadeira, pois há um espírito milenar, comum, que progressivamente a mitificou: essa é a viagem que nos resta: o mito ultrapassa, quase sempre, a verdade histórica.

            A poesia de um Ulisses Duarte, poeta de que hoje nos ocupamos, ultrapassa a dimensão histórica, temporal, para nos abrir os olhos ao sonho. Dos poetas da sua geração, será o que possui a voz mais cristalina, circunstância que fará dele, na companhia de um António Manuel Couto Viana, um dos nossos melhores poetas líricos. O lirismo português possui uma larga tradição e não é por acaso que o associamos ao fado, a canção-destino, também ela surgida para combater uma ideologia cinzenta, que foi sempre aquela que nos marcou desde, pelo menos, o domínio filipino. Esse lirismo acentua-se, em Ulisses Duarte, se observarmos que muitos dos seus poemas circulam em canções que ficaram nos ouvidos de várias gerações. Poemas como “Basta uma onda”, “Menino pobre” ou “Bairro da lata”, cantados numa época de ascensão neo-realista e onde se procurava chamar a atenção para uma situação social muito próxima da miséria. Tempo houve em que Ulisses Duarte improvisava canções para os homens da Rádio em troca de uma simples “bica”, como chegou a revelar-nos. Muita da sua poesia corre, assim, aos quatro ventos, que é outra forma de a poesia assumir a sua mais exigente liberdade.

            É em 1965 que surge o filme Madeira, Pérola do Atlântico cujo argumento é composto por um longo poema de Ulisses Duarte, o qual dá o título ao documentário. Esse texto perde-se, mas ficou também na memória de muitos. Nem mesmo nessa altura o poeta Ulisses Duarte pactuou com os caprichos do regime. Quando o realizador deste filme coloca a imagem de Salazar ao lado dos navegadores portugueses que descobriram a ilha da Madeira, o poeta recusa-se a assistir à estreia do filme como forma de protesto. Escusa-se formalmente, alegando, com ironia, que não possui um fato decente para assistir ao evento.

            Sempre o caracterizou uma acentuada truculência, uma ironia por vezes brejeira, característica do Norte, pois é natural d Matosinhos. Ainda hoje essas características teimam em permanecer, circunstância que acentua a sua dimensão humana, sempre decidido a um gesto generoso, fruto de uma imensa espontaneidade. É um coração autêntico, sem reservas mentais: é o poeta de sorriso largo que oferece o seu lirismo mesmo aqueles para quem a poesia nada diz. Apesar de existir, na sua poesia, uma certa tristeza camuflada, uma nostalgia semelhante à de Cesário, o que dele nos fica é uma rasgada alegria, um riso cavado bem lá no fundo do seu ser. E é sempre assim que o recordamos quando a ele nos referimos entre amigos. Ulisses Duarte não é apenas o poeta do sonho, é também o poeta da amizade. Vêmo-lo com frequência a estimular aqueles que procuram os seus conselhos, a dar-lhes um incentivo, como se a sua voz fosse a de um pai tutelar; e é-o, de facto, pois a sua longa experiência de vida, e também a sua juventude, permitem-lho ser. É autêntico nas suas convicções e, se tiver que atacar um companheiro de jornada é porque a sua sensibilidade foi particularmente ferida, como, de resto, é frequente acontecer nos domínios exíguos do nosso meio literário. O facto, de sempre se ter assumido como um poeta da esquerda, tornou-o quase vítima de pequenas atrocidades, como é frequente  acontecer num país que usa a mesquinhez como bandeira e que não poupa aqueles que possuem uma sólida convicção, seja ela de esquerda ou de direita. Apesar do convencionalismo desta bi-partição ( a qual tende, progressivamente , a desaparecer, pelo menos em termos doutrinários), a estreiteza das opiniões e dos pontos de vista, permanece: ainda há certas criaturas semi-poderosas, que nos procuram impor a pior das orientações. Há a fatia da pseudo-inteligência portuguesa que ainda se rege pela tendência nociva da “capelinha” e que só aceita aqueles que dela fazem parte. É por isso que os espaços que restam àqueles que não têm “capelinha” se compõem de longos desertos em que os únicos oásis são eles próprios.

            Ulisses Duarte nunca teve capelinhas, pois a sua dimensão humana jamais lho permitiu. É por isso que em 1960 faz um interregno na sua produção poética em livro, para se dedicar à pintura e à publicidade. Não deixa, contudo a poesia, como o comprova, não só o já referido filme sobre a Madeira, como também uma vasta discografia. Na década de sessenta figura num disco, juntamente com poemas de Cecília Meireles, de Manuel Alegre, e de José Augusto-França. Um poema seu intitulado “Carta ao Meu Irmão Brasileiro”, foi sucessivamente cantado por António Mourão, Rebocho Lima e por Amália. Este poema, retirado do segundo livro do autor, é ainda hoje uma imagem de marca de Ulisses Duarte e que Amália imortalizou. Entre fins de sessenta e meados de setenta, Ulisses Duarte é já um publicitário conhecido e a sua pintura atinge uma razoável cotação no mercado. Teve êxito um programa de rádio da sua autoria intitulado “Passatempo Pac”, do Rádio Clube Português. Nesta época, ajuda a fundar o jornal “Notícias da Amadora”, juntamente com o poeta António de Jesus.

            A publicação, em 1991, de O Eco das Palavras, marca o regresso do autor às livrarias, como já dissemos e, desta vez, fê-lo para nelas permanecer com novas publicações. Seguiram-se Poalhas do Tempo (1992); O Cajado do Peregrino (1993) e o volume de composições sobre o Natal intitulado Vilancetes Para o Meu Presépio (1993).

            Em O Eco das Palavras, Ulisses Duarte recupera grande parte das suas canções espalhadas em disco e brinda-nos com um conjunto de inéditos onde é visível a sua craveira poética. Dir-se-ia que o poeta esperou estes anos para voltar em força  e nos surpreender de uma forma definitiva. O poeta apresenta-se com as influências de dois grandes mestres da poesia: Cesário Verde e Garcia Lorca. Marca o seu pulsar poético a partir destas influências (pois nenhuma experiência poética nasce isolada)  e ficamos com a clara consciência de um novo poeta que, pela temática apresentada, seja ela a solidão do escritor na cidade, seja ela a condição social do seu semelhante, seja a profunda amizade que vota aos outros poetas, este novo livro é comparável a uma ressurreição. Pena é que tivesse sido pouco divulgado e mal distribuído.

            Poalhas do Tempo constituiu um poema único e revela-nos uma curiosa tendência do autor para um certo misticismo de feição cristã. Neste livro, Ulisses Duarte humaniza a figura de Cristo e é através dessa figura emblemática que percorre os grandes mitos da história nacional. Desde o Portugal Medieval ao Portugal de Aquilino Ribeiro, passando pela própria revolução de Abril, o autor procede à recriação de um poema épico sob a forma de quadras, onde é visível uma grande capacidade criativa ao nível das imagens. Diz-nos: “Depois, é Portugal que se atraiçoa/trocando a confiança pela intriga./Para mostrar um Deus que nos castiga,/camuflando um Cristo que perdoa.” Dir-se-ia que há, nestes poemas, um conteúdo esotérico cuja mensagem é passível de muitas leituras. Por outro lado, esse esoterismo esbate-se quando se refere à revolução de Abril e ao próprio Aquilino. Diz-nos: “ E eis que, por fim, chegou a liberdade/da qual fui tantos anos paladino./Já ninguém vai prender o Aquilino/ nem quebrar as estrelas da vontade.” É no final do poema que o autor nos revela, porém, o seu estado de alma face à situação do país, por cuja liberdade lutou a vida inteira: “Mas ainda ouço o gargalhar dos lobos/brincando ao velo d’oiro de Medeia/e ao redor de mim, numa alcateia,/uivam de cupidez, os mesmos lobos.” É de notar que o conteúdo místico está presente na totalidade do poema, conteúdo que é acentuado pela defesa de um determinado conjunto de valores defendidos pela ética cristã. Este longo poema, dada a sua interdisciplinaridade histórica, literária, mística e satírica, merece um estudo à parte e estou certo de que a decomposição dos seus vários planos constituiria uma revelação surpreendente, não só pela estrutura, como também pela perfeita coerência da mensagem e do notável encadeamento lexical. È um poema épico de final de século o qual, só por essa característica, merecia esse dito estudo.

            A mesma dimensão cristã verifica-se no volume posterior, O Cajado do Peregrino, e mais acentuadamente ainda, no volume dedicado aos vilancetes de Natal, seu último livro publicado até ao presente. No dizer de Travanca Rego, O Cajado do Peregrino é um conjunto de poemas construídos a partir de uma parábola. De facto, no início de cada poema, o autor coloca em epígrafe, frases retiradas dos Evangelhos e, a partir delas, elabora uma espécie de paráfrase que dir-se-ia complementar a ideia contida em epígrafe. É claro que há em todas elas um conteúdo religioso, conteúdo que, por sua vez, irá motivar o conteúdo essencial de todo o livro. Desta vez, a mensagem já não diz directamente respeito a uma crítica social, embora esteja presente a ética cristã. Trata-se de um conjunto de poemas de carácter intimista e confessional e que nos revelam o estado de espírito do poeta no momento presente.

            Quanto ao volume dos vilancetes, constitui um exercício de absoluto virtuosismo poético, rítmico e metafórico, executados de acordo com a cadência tradicional das quadras populares. Apesar desse cunho popular o seu conteúdo não abandona a mesma ética cristã dos livros anteriores.

            Com estes três volumes, o poeta recebe o importante Prémio Aquilino Ribeiro, sucessivamente entre 1991 e 1993. Eis, pois, a sua sagração como poeta. Recebeu já outros prémios, como por exemplo o espadarte de prata, instituído pela Câmara de Sesimbra.

            A poesia de Ulisses Duarte mantém-se cada vez mais viva e mais forte, quer pela publicação de poemas seus em catálogos de exposições, quer num maior número de jornais e de revistas (onde também colabora como cronista) e, também, em importantes antologias poéticas, como aquela dedicada a Cesário Verde, ou a Paulo Cid ou, ainda, a João de Deus, já para não aprofundarmos aquela em que colaborou em homenagem a Torga.

            Estamos em presença de um poeta surpreendente pelo seu vigor plástico e criativo, pelo seu virtuosismo poético e pela sua demolidora versatilidade no que respeita ao uso de diferentes géneros poéticos. É um poeta que ainda tem muitas surpresas para nos dar, pois possui um vasto espólio de poesias inéditas. Será necessário fazer-se com brevidade, uma antologia da sua obra poética, pois Ulisses Duarte, tal como o nosso Cesário Verde, é ainda um estranho neste conturbado tempo em que nos é dado viver. Um tempo que o poeta cada vez compreende melhor e que nós, seus discípulos mais novos, cada vez compreendemos menos.

            De qualquer forma, Ulisses Duarte é muito mais conhecido do que aquilo que podemos julgar.
O seu coração é do tamanho de um século inteiro.                            

Fonte: Ensaio publicado, no Jornal Artes & Artes de Outubro de 1997 (número 4), pelo seu
 Director José Fernando Tavares






domingo, 15 de janeiro de 2012

Voltando ...

 O Retrato



O menino que caiu da moldura do retrato
 como quem tomba da varanda à rua
 onde está?, em que lembrança sua
 ou em que sepultura do passado,

 sufocado, com a boca atafulhada ainda de sonhos?
 O seu nome é agora menos um nome que uma doença rara
 que te desfigurou a cara, uma doença sem nome e sem cura;
 cabereis os dois na mesma sepultura?

 De todos os meus sonhos o mais insone é este,
 o de alguém perguntando por um estranho
 algures, onde o Lexotan se tornou literatura.  
 Caberemos todos na mesma sepultura?



Autor:  Manuel António Pina

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

POESIA...




[ À BEIRA DO PRINCÍPIO ]


À beira do princípio, do precipício
O Anjo do Conhecimento cega
para poder ver o início
da sua queda caótica.

Aquilo que o Visionário vê é o que
o vê a ele do alto do Futuro
para onde caí com o conhecimento obscuro de
saber que está no sítio para onde vai.

(O que regressa ao sítio de onde nunca saiu
é o mesmo que nunca lá esteve,
o que sobe a escada e transpõe a porta
que dá para toda a parte).


Autor:   Manuel António Pina