terça-feira, 9 de agosto de 2011

ABECEDÁRIO





Nos 90 anos do Poeta de Itabira



         Admiradora de há  muito, do Grande Poeta que foi Carlos Drummond de Andrade, aqui transcrevo, a sua verve, num artigo publicado no ano em que faria 90 anos, como homenagem e vivificação à sua Memória.

         « MUNDO, VASTO mundo, um Universo cabe inteiro na obra de Carlos Drummont de Andrade que, se vivo fosse, completaria 90 anos a 31 de Outubro próximo.

         … Drummond dizia aos amigos que gostaria permanecer conhecido através do seu lado humorista. De facto, honra seja feita, ele explorou, e muito, a ironia, a nuance, a contradição e o paradoxo, quer nas crónicas quer nos aforismos. O lado céptico e pessimista aparece por inteiro nessas pequenas (grandes) pérolas verbais, onde filosofa com ternura e lágrimas no coração. Mas também aqui não é o seu melhor que deverá ser procurado nos versos dos seus inúmeros livros escritos e publicados entre os anos 30 e os anos 70.

         Na passagem das nove décadas do nascimento de Carlos Drummomd de Andrade, importa fazer uma espécie de navegação pelas palavras que lhe eram mais caras, além das consequentes definições. Os aforismos  que se seguem, alguns magistrais, outros nem tanto, pois se ficam quase só no jogo das palavras, revelam um homem visceralmente preocupado com o enigma maior, qual seja a razão da existência.

         E agora, José? Com a palavra, as palavras de Drummond.

        - ADÃO -O primeiro espoliado - e no próprio corpo. ***
           - ADMIRAÇÃO -Às vezes sou tentado a me admirar, e isto me causa a maior admiração. *** 
             -AMOR -Há vários motivos para não se amar uma pessoa, e um só para amá-la; este prevalece. ***                             
            -ARTE -A arte vivifica a humanidade e aniquila o artista. ***
           - ACTOR -O actor é metade gente, metade personagem, não se distinguindo bem as metades.***                                       
          -AUTÓGRAFO -Pedir autógrafo ao autor lisonjeia a sua vaidade sem melhorar a qualidade da obra. ***
         -AVAREZA - O avarento perfeito economiza a ideia de dinheiro, evitando falar nele. ***
         -BANQUEIRO - O banqueiro ignora que tem dinheiro suficiente para fechar o banco e começar vida nova. ***
         -BELEZA -A beleza feminina é passageira, mas seus admiradores também são. ***                                       
         -CARIDADE - A caridade seria perfeita se não causasse satisfação em quem a pratica. ***                                     
         -CREMAÇÃO - A cremação é ainda vaidade: querer destruir a morte. ***                                            
         -CRENÇA - Há muitas razões para duvidar, e uma só para crer. ***
         -DANÇA - O bailarino sonha em abolir a lei da gravidade. ***
         -DEMOCRACIA - Democracia é a forma de governo em que o povo imagina estar no poder.***                                              
         -DEUS - Ao nos aproximarmos da morte, sentimo-nos mais perto de Deus, como se a distância não fosse a mesma. ***
         -ESTUPIDEZ - A evolução das espécies não justifica certas modalidades de estupidez, desconhecidas nos irracionais. ***         
          -ETERNIDADE - A eternidade é uma hipótese de trabalho para o pensamento lógico. ***                                     
         -FELICIDADE - A felicidade tem um limite, a loucura. ***
         -GLÓRIA - A glória é um alimento que se dá a quem já não pode saboreá-lo. ***                                 
         -HOMEM - O homem faz tudo para ser superior a si mesmo; é uma atenuante. ***                            
         -HUMILDADE - Somos humildes na esperança  de um dia sermos poderosos. ***                                                 
          -HUMORISMO - o humorismo é a aptidão para despertar nos outros a alegria que não sentimos. ***
         -INFERNO -Se houver sociedade no inferno, é difícil concebê-la diferente da nossa. ***
         -INDEPENDÊNCIA - A frase completa do Imperador deve ser:      "Independência económica ou morte. *** "                                                                                           
        -INTELIGÊNCIA - É a sensibilidade que torna suportável a inteligência, amenizando-a. ***                                                                  
       -JORNAL  - Pelas notícias de ontem, publicadas hoje, devemos temer o jornal de amanhã. ***
       -LIBERDADE - Liberdade de pensamento exige esta coisa rara: pensamento. ***                                               
       -LITERATURA - A literatura fazia-se com manifestos; hoje faz-se sem literatura. ***
       -LOUCURA - Há limite em que a razão deixa de ser razão e a loucura ainda é razoável. ***                                               
       -LUCIDEZ - Somos lúcidos na medida em que perdemos a riqueza de imaginação. ***
       -MEDO - O medo une mais os homens do que a coragem. ***
       -MULHER  - É próprio da mulher o sorriso que nada promete e permite imaginar tudo. ***
       -NATUREZA - A natureza não faz milagres; faz revelações. ***
      -NUDEZ - Há uma distinção óbvia entre o nu da moda e o nu da miséria. ***
       -OPTIMISMO - O optimismo é um cheque em branco a ser preenchido pelo pessimista. ***   
      -PAÍS - O país excessivamente grande perde a noção de grandeza e resigna-se a ser dirigido por homens pequenos. ***
      -PALAVRA  - O poeta lança a palavra que ninguém usará. E orgulha-se disso. ***  
      -PLATEIA - Em vez de pensar na perenidade da sua obra o autor teatral devia pensar na plateia. ***
      -POESIA  - O poema jamais alcançará a sublimidade do silêncio total. ***
      -POVO - É fácil falar em nome do povo; ele não tem voz. ***
      -QUESTÃO - Uma questão tem tantos lados quantos forem os interesses ou inconvenientes em considerá-la. ***                                                  
     -RESPEITO - Dos inferiores exigimos respeito; dos superiores nem sempre.  ***                                        
      -SAUDADE - Também temos saudade do que não existiu, e dói bastante. ***                                            
     -SURDEZ - A surdez é bálsamo que poucos sabem usar. ***
     -TEATRO - Ir ao teatro é como ir à vida, sem nos comprometermos. ***                                                                  
     -TEMPO - Viver e morrer, duas formas de perder tempo. ***
     -TRAIÇÃO - Todos traímos um sonho, um ideal, uma ideia, e não nos sentimos desconfortáveis por isso, ***
      -UNANIMIDADE - A unanimidade comporta uma parcela de entusiasmo. uma de conveniência e uma de desinformação. ***                                                                                                          
      -URANISMO - Vocábulo raro para designar coisa que se banalizou. ***                                                
      -VELHICE - Suportar o peso da idade é a última prova de juventude. ***
      -VERDADE - A explosão da verdade gera tanta poeira que, por amor à limpeza, buscamos evitá-la. ***
       -VIDA - Uma das injustiças da vida é a  responsabilidades por estar vivo. ***        
       -XINGAMENTO - Xingamento deixa de ser ofensivo se consegue ser engraçado. ***                                             
       -ZERO - Prova convincente da existência do nada. ***
       -ZOOLÓGICO - No zoológico os animais não vivem; são vividos, pelos olhos dos visitantes. *** »                                           



Fonte: - Jornal de Letras de 27 de Outubro de 1992.

NOTA: -  Do artigo referido constam muito mais palavras e seus aforismos,  estas foram as minhas opções.


        
        







Sem comentários:

Enviar um comentário