terça-feira, 11 de março de 2014

Recordação



"Enquanto houver um pulsar em cada Primavera, 
   haverá sempre um laivo a recordar"
Menino de Mim


Uma casa no fundo, uma cancela,
a lama dum caminho em vez de rua,
um lugar na penumbra duma vela
e uma silhueta quase nua.
Sobre a mesa de pinho, uma tigela
e pedaços de luz feitos de lua...
Enquanto o sonho fica perto dela,
o resto do poema continua.
Nesta doce lembrança da distância
com as sombras da noite nas janelas
daquele quarto onde cresceu a infância
do menino que lia nas estrelas.
Naquele tempo as estrelas tinham asas...
Pairavam sobre um céu imaginário,
pousavam nos telhados doutras casas
e não tinham, sequer, abecedário.
Eram letras de traços inventados
com gestos de sinais d' acontecer,
a ficarem, no céu, dependurados,
até que o menino os fosse ler.
Na lembrança de mim, já nem soletro
o desfiar da luz dos meus enredos...
Mas,quando as estrelas estão perto,
sinto os versos dos traços, nos meus dedos!











Poema de Ulisses Duarte, que faria hoje 91 anos, in, Palavras com Distância. Julho 2010