terça-feira, 5 de julho de 2011

Nona Carta

Furuborg, Jonsered, Suécia, 4 de Novembro de 1904 

Caro Senhor Kappus

Neste tempo que passou sem cartas tenho andado em viagem e ao mesmo tempo tão ocupado que não pude escrever. E mesmo hoje escrever pesa-me, porque tive já de escrever várias cartas e a mão está cansada. Se pudesse ditar a alguém, teria muito a dizer-lhe. Não sendo esse o caso, receberá apenas umas poucas palavras minhas em troca da sua longa carta.
         Penso muitas vezes em si, caro Senhor Kappus, e com tanta concentração que já só isso deveria ajudá-lo. Se as minhas cartas podem de facto ajudá-lo é uma dúvida que muitas vezes tenho. Não diga que sim, que ajudam. Aceite-as serenamente e sem grandes agradecimentos e esperemos para ver o que acontece.
         Talvez não valha a pena entrar nos pormenores da sua carta; pois o que eu poderia dizer-lhes sobre a sua inclinação para a dúvida e sobre a incapacidade para estabelecer a harmonia entre a sua vida exterior e a sua vida interior, ou sobre todas as outras coisas que o afligem, é sempre aquilo que já lhe disse: sempre o desejo de que encontre em si paciência suficiente para suportar e simplicidade suficiente para ter fé; que confie cada vez mais no que é difícil e na solidão que sente entre os homens. E, de resto, deixe que a vida aconteça. Acredite no que lhe digo: a vida tem sempre razão.
         E quanto às emoções: são puras as emoções que o restabelecem e elevam; é impura a emoção que apenas abrange uma parte do seu ser e que assim o desfigura. Tudo o que possa pensar sobre a sua infância é bom. Tudo o que faça de si mais do que até agora foi nas suas melhores horas é certo. O movimento de superação é sempre bom se estiver em todo o seu sangue, se não for embriaguez, se não for ofuscação, mas sim alegria que se vê até à raiz. Entende o que quero dizer?
         E a sua dúvida pode tornar-se uma boa qualidade se a educar. Tem de tornar-se conhecedora, tem de tornar-se crítica. Sempre que a dúvida corromper qualquer coisa, pergunte-lhe por que razão essa coisa é feia, exija-lhe provas, examine-a, e talvez ela lhe pareça perplexa e embaraçada, talvez mesmo irritante. Mas não ceda, peça-lhe argumentos e proceda sempre assim caso a caso, de modo atento e consequente, e chegará o dia em que a dúvida deixará  de ser destruidora para se tornar um dos seus melhores trabalhadores   -  talvez o mais inteligente entre outros os que constroem a sua vida.
E é tudo, caro Senhor Kappus, o que hoje lhe posso dizer. Mas envio-lhe também a separata de um pequeno poema que foi agora publicado no «Deutsche Arbeit» de Praga. Continuo aí a falar consigo sobre a vida e sobre a morte e sobre o que nelas é grande e magnífico.

O seu,

Rainer Maria Rilke      

  

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