quarta-feira, 21 de março de 2012

Dia Mundial da Poesia


Neste Dia quero manifestar neste  cantinho, homenagem a dois grandes vultos da Arte Poética Portuguesa - um falecido aos quarenta e oito anos, recordá-Lo-emos como um editor extraordinário em mais de duas décadas da Assírio & Alvim, que nos deu a conhecer a poesia como ponte entre os vários povos e os tempos de sempre, ou seja o mundo num livro, editando em 2001 - ROSA DO MUNDO - 2001 poemas para o futuro. Estou a falar, de Manuel Hermínio Monteiro, a  quem o Prémio Camões de 2011 dedicou este Poema:
                   

Sétimo Dia


Voltámos, um a um, da tua morte
para a nossa vida como quem regressa a casa
de uma longa viagem. Para trás ficaram recordações, países,
e agora é como se te tivéssemos sonhado.

A voz que, diante da escuridão, suspendemos
quando se desmoronou o mundo para o fundo de ti
erguêmo-la de novo para os afazeres diurnos
e para as horas comuns.

Ainda ontem estávamos sózinhos diante do Horror
e já somos reais outra vez .
A própria dor adormeceu no nosso colo
como um animal de companhia.


Manuel António Pina, em 25.06.01










Fonte :- MILFOLHAS, 30 de Junho 2001 PÚBLICO






O outro grande Senhor é Rómulo de Carvalho/António Gedeão - O Professor-Poeta (nasceu a 24 de Novembro de 1906 e faleceu a 19 de Fevereiro de 1997), transcrevo um texto do livro das suas memórias pessoais, que iniciou aos 80 anos e terminou pouco antes do falecimento.

O manuscrito foi encontrado no seu espólio  pela viúva, também escritora,  Natália Nunes que nem sabia da sua existência. Escolho este texto porque o acho pertinente. 





"... JOVENS DE ONTEM, JOVENS DE HOJE


Os meus saudosos amigos. Havia entre nós a máxima intimidade, a máxima confiança e, contudo, dir-se-ia que éramos cerimoniosos uns com os outros. Tínhamos atenções mútuas, delicadezas de trato, e até rodeávamos de palavras cautelosas certas conversas próprias de rapazes acicatados pelos impulsos eróticos. A culpa era toda minha porque os escolhi à minha imagem e semelhança e neles procurei os meus virtuosos defeitos. Contudo tenho a impressão de que a relação entre todos, amigos e não amigos, seguia código semelhante.

Hoje, nesse aspecto, tudo se aviltou, querendo com isto dizer que a relação entre as pessoas, jovens ou não, se degradaram, isto é, baixaram de grau, seguindo determinada escala de valores em que cada valor tem o seu grau. Estou a querer fugir à inutilidade de afirmar que o passado era melhor. Era diferente, e reporto-me à escala de valores desse passado quando o comparo com o presente.

A simples apresentação exterior de um jovem já o dispõe a um comportamento cívico diferente do do meu tempo. O capitalismo americano inundou o mundo de calças e blusões de ganga, tecido que, no meu tempo, era do mais baixo preço e só usado por miseráveis. Até era muito cantado o Fado de Ganga, faduncho que ia à cena num teatro de revista e cuja personagem que o cantava fazia o papel de carroceiro, homem que lidava com carroças e com burros que as puxavam. Para o capitalismo americano, agressivo, insolente e implacável, a ganga dos trajes ainda não bastou para atrair suficientemente os compradores potenciais que constituem o universo dos jovens. Quiseram dar-lhe um ar mais degradado, mais reles. E então apareceram no mercado as calças e os blusões de ganga já com nódoas, com manchas que simularam o uso, e delidos nas costuras. Foi um êxito. Aquilo, vestido dava o ar de pessoa vadia, que tinha passado a noite estendida num degrau de uma escada, que andava a comer sopa numa lata, que era um boémio, um sonhador, um ser independente que não tinha que dar satisfações a ninguém. A isto acrescentavam o calçado que, normalmente, já não é de cabedal, nem de pano, que nunca se limpa nem se lava, e dá um ar desleixado que é tentador. As raparigas seguiram o mesmo modelo. Para estar de acordo com o traje a linguagem usada pelos jovens tem de ser desbragada, porque sempre houve uma linguagem para cada traje. Digo o que se passa, mas não o que está bem ou o que está mal. Nós não éramos desleixados na nossa apresentação. Saíamos de casa muito escovadinhos, as nossas mães vigiavam a nossa limpeza, mandavam-nos engraxar os sapatos e puxar-lhes brilho. Por isso tínhamos outra maneira de falar, de gesticular, de nos aproximarmos dos outros e dos acolhermos. Todas as coisas estão relacionadas entre si. Estas e outras. Se um sujeito de casaca e sapatos de polimento encontrava algum conhecido na rua, tirava o chapéu, dobrava-se pela cintura e informava-se da saúde de Vossa Excelência. Se era um senhor de fato completo e gravata, desbarretava-se com moderação, baixava a cabeça e perguntava à pessoa sua conhecida como tinha passado. Se era um gajo de «blue jeans» (nome dado às calças de ganga americanas), voltava a cabeça e mandava-nos bugiar. Tudo sem as suas regras, até a falta delas."

Como Poeta, transcrevo um Poema de 1961, que se encontra publicado no seu livro Máquina de Fogo e que se intitula : 


  Poema do autocarro 



  Eles virão e eu morrerei sem lhes pedir socorro 
  e sem lhes perguntar porque maltratam. 
  Eu sei porque é que morro.   
  Eles é que não sabem porque matam. 

  Eles são pedras roladas no caos,  
  são ecos longíquos num búzio de sons. 
  Os homens nascem maus. 
  Nós é que havemos de fazê-los bons. 

  Procuro um rosto neste pequeno mundo do autocarro, 
  um rosto onde possa descansar os olhos olhando,  
  um rosto como um gesto suspenso 
  que me estivesse esperando. 









Fonte  : JL, Jornal de Letras, Artes e Letras de 22 de Novembro de 2006 no
Centenário do Professor.
                        




   

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