Antes de passar à transcrição do poema, desejava fazer aqui uma breve introdução. De há muito admiro Manuel António Pina pela sua escrita, tanto como cronista como poeta, a sua prosa é poesia.
De vez em quando muda de local de publicação, ando sempre em sua busca, porque o papel para mim, apesar procurar acompanhar as novas tecnologias, é, e será sempre visceral.
M., a última palavra
Entre restos de vida passada
refugiava-se o coração de cada um de nós no seu covil.
uma gota se sangue, pequeno vitral de reflexos coloridos,
na orelha de M.,a pistola no chão perto da mão, ainda quente a pistola.
O que quer que tivesse acontecido
fora em sítios inacessíveis às notícias de jornais
e aos flashes das máquinas fotográficas
voando agora como aves cegas à sua volta.
Um grande mutismo cobrira tudo
gelando os nossos passos e o que dissémos
ainda antes de pronunciado;
percebia-se, de quem sempre quis ter a última palavra.
Não se percebia era a falta de uma explicação ou de um sinal
(ao menos um sinal justificar-se-ia dadas as circunstâncias),
apenas um botão do casaco mal abotoado,
provavalmente sugerindo alguma impaciência.
Poema Inédito de Manuel António Pina
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