quarta-feira, 25 de abril de 2012

HOMENAGEM




AO HOMEM QUE SEMPRE SOUBE SER LIVRE, RESPEITANDO A LIBERDADE  DO OUTRO.




Em, 25 de Abril de 2012.


segunda-feira, 23 de abril de 2012

Onde está Abril - II



 Nação valente e imortal

     
     

      Agora sol a rua a fim de me melhorar a disposição, me reconciliar com a vida. Passa uma senhora de saco de compra: não está assim tão mal, ainda compramos coisas, que injusto tanta queixa tanto lamento. Isto é internacional, meu caro, e nós, estúpidos, culpamos logo os governos. Quem nos dá este solzinho, quem é? E de graça. Eles a trabalharem para nós, a trabalharem, a trabalharem e a gente, mal agradecidos, protestamos. Deixam de ser ministros e a sua vida um horror, suportado em estóico silêncio. Veja-se, por exemplo, o senhor Mexia, o senhor Dias Loureiro, o senhor Jorge Coelho, coitados. Não há um único que esteja na franja da miséria. Um único. Mais aqueles rapazes generosos, que, sendo ministros deram o litro pelo País e só por orgulho não estenderam a mão à caridade. O senho Rui Pedro Soares, os senhores Penedos pai e filho, que isto da bondade às vezes é hereditário, dúzias deles.

      Tenham o sentido da realidade, portugueses, sejam gratos, sejam honestos, reconheçam o que eles sofreram, o que sofrem. Uns sacrificados, uns Cristos, que pecado feio a ingratidão. O senhor Vale e Azevedo, outro santo, bem o exprimiu em Londres. O senhor Carlos Cruz, outro santo, bem o explicou em livros. E nós, por pura maldade, teimamos em não entender. Claro que há povos ainda piores do que o nosso: os islandeses, por exemplo, que se atrevem a meter os beneméritos em tribunal. Pelo menos nesse ponto, vá lá sobra-nos um resto de humanidade, de respeito.
     
      Um pozinho de consideração por almas eleitas, que Deus acolherá decerto, com especial ternura, na amplidão imensa do Seu seio. Já o estou a ver
- Senta-te aqui ao meu lado ó Loureiro
- Senta-te aqui ao meu lado ó Duarte Lima.
- Senta-te aqui ao meu lado ó Azevedo
que é o mínimo que se pode fazer por esses Padres Américos, pela nossa interminável lista de bem-aventurados, banqueiros, coitadinhos, gestores que o céu lhes dê saúde e boa sorte e demais penitentes de coração puro, espíritos de eleição, seguidores escrupulosos do Evangelho. E com a bandeirinha nacional na lapela, os patriotas, e com a arraia miúda no coração. E melhoram-nos obrigando-nos a sacrifícios purificadores, aproximando-nos dos banquetes de bem-aventuranças da Eternidade. As empresas fecham, os desempregados aumentam, os impostos crescem, penhoram casas, automóveis, o ar que respiramos e a maltosa incapaz de enxergar a capacidade purificadora destas medidas. Reformas ridículas, ordenados mínimos irrisórios, subsídios de cararacá? Talvez. Mas passaremos sem dificuldade o buraco da agulha enquanto os Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade feliz. A transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente. Dá-me vontade? Ajoelho à sua frente,  indigno de lhes desapertar as correias dos sapatos. Vale e Azevedo para os Jerónimos, já!  Loureiro para o Panteão, já! Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça, já! Sócrates para a Torre de Belém, já! A Torre de Belém não, que é tão feia. Para a Batalha. Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram.


      Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara. Haja sentido nas proporções, haja espírito de medida, haja respeito. Estátuas equestres para todos, veneração nacional. Esta mania tacanha de perseguir o Senhor Oliveira e Costa: libertem-no. Esta pouca vergonha contra os poucos que estão presos, os quase nenhuns que estão presos por, como provou o senhor Vale Azevedo, como provou o senhor Carlos Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis. Admitam-no. E voltem a pôr o senhor Dias Loureiro no Conselho de Estado, de onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair. Quero o senhor Mexia no Terreiro do Paço, no lugar de D. José que, aliás, era um pateta. Quero outro mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de Pombal, esse tirano. Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos. Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor deixem de pecar. Como pedia o doutor João das Regras, olhai, olhai bem, mas vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais Paraiso. Agradeçam este solzinho. Agradeçam a Linha Branca. Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta do jantar.


      Abaixo o Bem-Estar. Vocês falam em crise mas as actrizes das telenovelas continuam a aumentar o peito: onde é que está a crise, então? Não gostam de olhar aquelas generosas abundâncias que uns violadores de sepulturas, com a alcunha de cirugiões plásticos, vos oferecem ao olhinho guloso? Não comem carne mas podem comer lábios da grossura de bifes do lombo e transformar as caras das mulheres em tenebrosas máscaras de Carnaval. Para isso já há dinheiro, não é? E vocês a queixarem-se sem vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros. Proibam~se os lamentos injustos. Não se vendem livros? Mentira. o senhor Rodrigo dos Santos vende e, enquanto vender, o nível da nossa cultura ultrapassa, sem dificuldade, a Academia Francesa. Que queremos? Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e ex-ministros a tomarem conta disto. 


      Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar? O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dipararem, não haver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias. Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem? Da mesma forma que os procesos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de prescrever, E, magrinhos, magrinhos mas com peitos de litro e beijando-nos um aos outros com os bifes das bocas seremos, como é nossa obrigação, felizes.



Fonte:  VISÃO nº 996 de 5 de Abril de 2012.
               Crónica de Opinião do exímio Escritor António Lobo Antunes.












                                                        










domingo, 8 de abril de 2012

Onde está ABRIL - I

Opinião do Emérito Escritor Baptista-Bastos



 

A servidão e a dignidade

 

      Vivemos no interior do medo. O medo deixou de ser um sentimento comum à condição para se transformar numa ideologia e numa arma política. A Inquisição e Salazar deixaram discípulos. Não conseguimos libertar-nos dessa fatalidade histórica porque há quem limite as nossas forças e liquide as nossas esperanças. Por outro lado, aceitamos este fardo como um anátema. Reagimos escassamente mas não continuamos as acções contra a afronta. Ver os noticiários das televisões, ler a Imprensa tornou-se um exercício penoso, que conduz à depressão. Parece que o mundo desabou sobre os pobres portugueses. Tudo se enleia para favorecer o nosso infortúnio. Em nada acreditamos: a falsidade, a omissão, a desvergonha atingiram níveis desusados, e ninguém descortina onde está a mentira, e onde se oculta a verdade do que nos dizem.

 

      As informações são um caudal contraditório; e há declarações tão surpreendentes quanto imponderáveis. Mohamed El-Erian, um desses senhores do mundo, que poucos saberiam quem é, assevera  que Portugal vai pedir mais dinheiro e segue cabisbaixo, o caminho da Grécia. Erian, leio no Diário Notícias, é o presidente do maior fundo de investimento mundial e não costuma utilizar a metáfora nem o epigrama para falar das coisas. Papandreu, grego, socialista, primeiro-ministro até há bem pouco tempo, também não faz reserva em dizer que está aberta vereda para seguirmos o passado do seu país.

 

      O papão, o medo viscoso, ondulante, assustador é a Grécia. A Grécia, tal Asmodeu, rei dos demónios, é o crepúsculo como alegoria de todas as tragédias. Afastamo-nos, repugnados e receosos do contágio. Temos tudo a ver com a Grécia, mas nada queremos ter a ver com a Grécia. Os gregos são a doença infecciosa, larvar, perigosíssima. Passos Coelho, quando regressa de viagens, proclama logo, pensativo, austero e formal: com a Grécia, nem tomar café. Julgando, talvez, que esta frase corresponde a um optimismo criador.

 

      Vivemos num confuso e absurdo almofariz de dubiedades. Agora, para rematar estes clássicos do assombro, surge Vítor Gaspar, campeão do humorismo involuntário, e assegurar, arfante: "No dia 23 de Setembro de 2013 regressaremos aos mercados." Vinha dos Estados Unidos. E tudo indicava que lhe tinham segredado a extraordinária novidade. Ninguém sabe, nem Gaspar esclarece o mistério de tão prodigioso milagre.

 

      O português comum, que vive asfixiado entre o desemprego, o fisco, a multa, a humilhação, o vexame, a fome, a doença, a miséria, os impostos, as taxas moderadoras, a demolição do amor, o divórcio, a emigração, e outra vez a fome, a doença, a miséria, os impostos, esse português desorientado, desgraçado e triste sem remissão - que pode fazer ele?, que pode? Em cada um de nós reside a resposta sobre o compromisso com a honra e a recusa da servidão e da indignidade.

 

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

 

Fonte :  Diário de Notícias de 21 de Março de 2012.